Igreja Virtual Evangélica

Burrice Informatizada

Claudio de Moura Castro é economista (claudiomc@attglobal.net)

Ao chegar ao aeroporto de Quito, já faz tempo, após mostrar o passaporte, um policial uniformizado me pede 80 sucres. Depois da trapalhada para conseguir os sucres, avanço para outro soldado com o mesmo uniforme, em uma mesa igualzinha. Este decreta: 80 sucres (deve ser para o outro ministério). Assim é a burocracia por todas as partes. Aliás, por que é tão complicado cobrar a taxa de aeroporto?
Quando estava tomando posse como diretor da Capes, fui ver como tramitavam os pedidos de bolsa de estudo. Olhando um formulário, lembrei-me de que havia visto outro parecido na sala ao lado. Perguntei por que um segundo com a mesma função. Coça a cabeça o chefe e admite: ”É realmente não serve para nada”.
Assim é a burocracia. Ou pede o que não precisa ou tudo é feito para facilitar a vida de quem opera e não de quem precisa de seus serviços. A burrice impera, a inteligência passou longe. Não sei se ainda há um papel chamado “requerimento”. Alguém quer um documento oficial e paga por ele. Qual a razão de declarar por escrito que quer o tal documento?
Entra a informática para salvar o mundo da burocracia cretina. O computador, essa máquina fabulosamente rápida e versátil, é posto a serviço de todos os procedimentos administrativos. Tudo será informatizado. Fui renovar minha carteira de habilitação. Atendimento impecável, moçoilas gentis e competentes, tudo informatizado. Mas, enquanto esperava o curso dos acontecimentos, comecei a perceber que havia sido informatizada a mesma burrice de sempre. Passou-se metade do serviço para o computador, mas não desapareceu a abundância de papéis inúteis, duplicando, triplicando informações, em grande parte, também inúteis.
Até há pouco tempo, o dono de faculdade que quisesse saber do MEC o andamento de algum pedido seu tinha de pagar a impressão da página que daria a informação. Mas pagamento, só depositando 25 centavos no longínquo Banco do Brasil. Para consertar, é preciso repensar da estaca zero a burocracia do papel. Se não for assim, simplesmente somamos à burocracia do papel mais uma etapa informática.
A Gol fez tudo certo. Cronometrei o tempo para emitir uma passagem, cartão de embarque e etiqueta de bagagem a partir de um aviso de pagamento, o chamado PTA: menos de dois minutos. Na companhia ao lado, foram três a quatro para tirar a passagem e mais dois em outro balcão para o check-in (além do tempo em uma segunda fila). Baniram-se a burrice, o papel e a espera, todos inúteis. Se, antes de informatizar, alguém não perguntar “para que serve esse papel (ou a informação nele contida), e o que acontece se for eliminado?”, o computador passa a ser um mero gerenciador de uma papelaria imbecil.
O potencial do computador para acabar com os entraves da burocracia está por ser explorado, e seus limites são desconhecidos. No caso do DETRAN, todos os papéis poderiam ser dispensados, a fila eliminada (pela marcação do atendimento por telefone ou pela Internet), o prontuário iria para a clínica pela Internet e o pagamento seria por cartão de crédito ou cheque. Na verdade, tudo, menos os exames de saúde e de habilidade ao volante, poderia se feito pela Internet (quem não a tem usaria a do despachante).
Mas não temos o monopólio da burrice. Nos hospitais americanos, a capacidade de diagnóstico e tratamento está pelo menos três décadas à frente da informatização. Como os métodos de armazenamento de dados são medievais (até na mão e em guardanapo se fazem anotações), a informação não pode ser recuperada e tem de ser coletada múltiplas vezes (a um custo extorsivo para o paciente).
Do ponto de vista de segurança, não há mais razão para guardar papel. Empresas de Wall Street que foram pulverizadas em 11 de Setembro retomaram suas operações financeiras menos de duas horas depois, graças a backups em dois Estados diferentes. Portanto, a solução para lidar com a burocracia não é o computador, mas a inteligência, o pragmatismo e a coragem para fazer o certo e não o de sempre. O computador vem depois, para informatizar o necessário e não o supérfluo.